quinta-feira, 5 de março de 2009

Um craque de porteiro

– Eaí Zé, quanto foi o jogo?
– Foi 2x1.
– Quem fez os gols?
– Um do Kléber e um do Alex – disse ele – E que golaço do Kléber, guardou na gaveta.

Para os mais afastados, seu nome Rivanildo, pois são quatro “Zés” que temos em nosso prédio. Para os íntimos, é Zé.

José Rivanildo da Silva veio ao mundo no bairro de São Miguel Paulista, no dia 17 de março de 1970, quatro meses antes do tri-campeonato mundial brasileiro. Nasceu em uma família simples e sofreu muito com as dificuldades de uma infância pobre. Seu pai, o senhor João Carlos da Silva, faleceu quando Rivanildo tinha apenas cinco anos e sua mãe, dona Maria Aparecida Pereira da Silva, faleceu pouco depois de pari-lo. Zé é o caçula. Teve três irmãos e duas irmãs. Desses últimos cinco, dois irmãos morreram, e um está preso. As irmãs casaram. Uma vive em Jandira, interior de São Paulo e a outra mora na cidade de Xingó, sertão do Pernambuco.

O Zé é muito divertido. É curioso e gosta de saber de tudo. Sempre que posso, passo na portaria para trocarmos uma idéia. E o mais engraçado é o modo de como ele atrai as pessoas que passam perto da portaria: suas piadas.

Elas são sem graça. Sim, caro leitor, suas piadas são extremamente ruins.
Mas o jeito que ele as interpreta faz com que elas fiquem engraçadas e para quem precisa de uma boa risada, isso é fundamental.
Certa vez eu passei na portaria para perguntar-lhe se havia alguma encomenda para mim.

– Fala Zé! Alguém deixou uma caixa aqui para mim?
– Claro que sim. As laranjas estão aqui – ele disse – só não estendo porque as laranjas são frágeis agora.
– Mas Zé, quem disse que a encomenda são laranjas? – perguntei – Na verdade, essa caixa está cheia de acessórios para o carro. De onde você tirou as laranjas?
– Da laranjeira! – riu.

Como você, meu amigo leitor, pôde perceber, o trocadilho foi horrível. Entretanto, o modo de como ele contou essa piada e a cara que ele fez quando a soltou, é inexplicável.

Nossas conversas, dentro da portaria são sempre dessa maneira. José Rivanildo é um dos porteiros do prédio em que moro. Um dos porteiros, não. “O” porteiro. Atualmente ele mora em São Mateus e trabalha no condomínio a quatro anos. Não é tão velho, mas também não é tão jovem. Ele não é negro e nem é branco. É solteiro e tem 38 anos. Sem contar sua careca com máquina número 2, impecável. Viciado em futebol, é palmeirense fanático.

E é sempre assim quando tenho tempo e chego ao prédio: paro o carro, e converso com o vesguinho mais por dentro do futebol que existe no Brasil. Vesguinho porque o Zé é estrábico. Teve uma doença nos olhos quando era pequeno que lhe deixou assim. E viciado em futebol, pois não tem outro porteiro no mundo que conheça o que ele sabe. Ele é super carismático e alegra qualquer um com seu bom-humor. Não é à toa que todos, não só do prédio, mas os vizinhos, amigos e até mesmo as domésticas que o paqueram, gostam dele. Quando fui conversar com ele, para falar sobre este perfil, ele quase não acreditou. Achou que estava ficando famoso e que logo-logo teria que largar a vida de porteiro. Ele não suportaria, pois ama o que faz.

O horário
Seu horário das 22 horas às 6h da manhã e não tem substituto. A confiança que ele tem dos moradores é tão grande, que o Zé consideraria uma falta como uma pena de morte para si mesmo. Por isso, ele gosta de chegar todos os dias às 21 horas, uma hora antes de bater o cartão para trabalhar. Vem cedo, pois troca idéias com todos que encontra, no caminho da portaria até o vestiário, onde guarda suas coisas.

Outro dia, cheguei ao meu condomínio às 23 horas, depois de um dia cansativo no trabalho, e o seu carro não estava lá.

– Onde será que está o carro do Zé? – pensei.

Eis que surge aquele sedã branco, que vem freando freneticamente e estaciona na vaga preferida. Seu carro, um Voyage, ano 1989, fica exatamente na frente da portaria. Uma vaga reservada que pode ser chamada de “A vaga do Zé”, pois ninguém ousa colocar o carro ali depois das nove.

Futebol
O Zé conhece tanto de futebol que, qualquer pergunta que alguém fizer, ele saberá responder. Ele é muito bom mesmo. Um mito do futebol, que, na minha opinião, merecia um lugar em destaque no novo Museu do Futebol no estádio do Pacaembu. Ele faz por merecer. Mas isso tem uma explicação. Ouve rádio a madrugada inteira, além de assistir aos grandes clássicos das quartas-feiras de noite.

Para ele, futebol é simples. Pena que eu ainda não o vi jogando. Mas posso garantir para vocês que, se ele jogar futebol no nível em que ele conhece do esporte, será uma lenda dez vezes maior que Pelé, Maradona, Zico e Ademir da Guia; juntos.

Funcionário exemplar
Como porteiro o Zé é excepcional. Faz todo tipo de serviço solicitado, com precisão e agilidade. Ele tem muita vontade.

Durante uma de nossas conversas, fez três ou quatro favores para alguns moradores sem deixar de desviar a atenção que me dava.

– Caramba Zé! – eu disse – Como você conseguiu fazer tudo isso enquanto você falava do jogo? Você entregou a chave do salão de ginástica para a dona Virgínia sem nem mesmo ter visto qual chave que era.
– É que eu olhei pela cor, e lembrei que a chave da academia é rosa – afirmou.
– E qual é a cor da chave do portão da piscina? – perguntei isso, pois eu tinha acabado de “roubar” rapidamente a chave da piscina e escondido dentro do meu bolso.
– É azul. Azul da cor do mar – riu.

Impressionante.
Além de explicar qualquer regra ou jogada de futebol para quem quiser, o Zé conhece o condomínio como a palma da sua mão. Apesar de porteiro, o Zé tem muitas outras funções no nosso prédio. É ele quem põe as cartas debaixo das portas de cada apartamento, nos quatro apartamentos que temos por andar, dos 15 andares que temos em cada edifício, que são dois. Um dos fatos que comprova sua eficiência como funcionário é o ato de entregar essas cartas um pouco depois do seu horário de saída, às 7 horas da manhã.

Ele sim é um funcionário exemplar. Como seria bom para o Brasil se todos os trabalhadores fossem como este porteiro Zé, tão dedicado. Em contrapartida, os trocadilhos jamais serão os mesmos. As piadas do Zé são únicas.

4 comentários:

Jefferson Sato disse...

Olha, perfil no texto livre, blog. To impressionado.

PS: Gostou do meu texto porque é gay? Isso é estranho, cara!

Unknown disse...

Você esqueceu de dizer que ele é tão gente fina, que já sabe quem é a nova integrante da família, e abre o portão sem ao menos eu me identificar! auhauhauhua

Unknown disse...

" [...] E a condução quem paga a praga que cata na cara do cara do final do mês. Pesa no bolso, no rosto do moço que culpa ele tem? [...]

Grande Zé!
Grande brother, continue assim que seus textos são de fino trato e de coração.

beijos na napa.

Areta Martins disse...

lOVE,

É ele que é o são paulino??
não to lembrada...rs

Vaaaaaiiiii São Paulooooooooo!!


Beijos da sua Areta!